terça-feira, 6 de maio de 2008

Equações: Natureza, Equilíbrio e Unificação.


Na Renascença a Europa vivia uma efervescência cultural no qual o Feudalismo, já dando sinais de decadência, não era compatível. Também não era compatível com uma classe emergente, ainda não bem estabelecida mas de crescente influência que chamou-se de burguesia. O modo de produção feudal já não era tão interessante para esse grupo, então tudo que pudesse negá-lo seria de grande valia. A medicina era de grande valia então, pois para Igreja Católica (um dos principais sustentáculos ideológicos daquela sociedade) investigar o corpo humano era violar uma obra divina - era negar valores apregoados pela Igreja, era deslegitimá-la. Assim, essa nova ciênica poderia ter um caráter de atividade revolucionária, e de certa forma "virou moda" na Europa Renascentista.
O jovem Galileu "aderiu à moda": ingressou na academia para estudar medicina. Era uma escolha comum entre os filhos de mercadores relativamente prósperos nos negócios - membros da nascente burguesia, evidentemente. Mas Galileu se encantou com as aulas de Geometria. Com o tempo, toda a Matemática havia lhe hipnotizado de tal forma que então abandonou os estudos sobre o corpo humano e decidiu se dedicar a estudar a Natureza. Percebera (como tantas outras coisas que sua mente revolucionária percebeu) que as quantificações das qualidades naturais (pressão, velocidade, aceleração, etc.) indicavam a existência de um equilíbrio elegantemente preciso entre si. Na Natureza, Galileu via a Matemática em ação. E então a concepção de Ciência, que a Modernidade redefiniu como a conhecemos hoje, nunca mais foi a mesma. Nas Ciências Naturais, e em particular na Física, cujas proposições normalmente apresentam-se em sentenças de dois valores ("verdadeira" ou "falsa"), matematizar é verbo de conjugação obrigatória. Nas Ciências Humanas, onde predominam sentenças de três valores ("verdadeira", "falsa" ou "intermediária"), a matemática já não pode ajudar da mesma maneira. Mesmo assim é bem-vinda quando possível e coerentemente aplicável.
De Galileu para cá a Matemática recebeu impulso titânico de, claro, titãs: Newton, Leibniz, Lagrange, de Moivre, Euler, Fourier, só para citar alguns nomes clássicos. Mesmo com o grande avanço, a essência continuava fundamentalmente a mesma: na equação, essa representação compacta da lógica matemática, tentamos entender como a Natureza se balancea.
Mas não é só isso. Ao contrário do senso comum, uma equação não está dizendo simplesmente que "uma coisa" é "igual" a "outra coisa". No cotidiano, usamos a palavra "igual" de maneira bastante flexível. Se "esse objeto" é dito "igual" a "aquele objeto", entende-se que temos dois objetos cujas características (ou a maior parte ou as mais preponderantes delas) são idênticas. Mas quando escrevemos que "E=mc²", a equação nos diz muito mais: diz que os termos "E" e "mc²" não são simplesmente coisas iguais; elas são a mesma coisa! Não estamos falando de duas entidades distintas: estamos falando de apenas uma! Isso é muito superior à conotação que damos no dia-a-dia para a palavra "igual". Porque uma equação não é uma identidade; uma equação é uma "igualação".
Imagine agora o impacto filosófico do E=mc² quando Einstein a publicou em sua Teoria da Relatividade Restrita (1905). A "energia (E) é igual à massa (m) multiplicada pelo quadrado da velocidade de luz (c)". Então o que chamávamos todos esses séculos de matéria e de energia era, na verdade, a mesma entidade física. Tudo o que existe no universo não é formado pelo dueto "matéria e energia". A matéria e a energia é que são diferentes manifestações de uma mesma essência. Não inventamos um nome para essa essência. Chamamo-la de "matéria-energia". Ou apenas matéria, ou apenas energia. Tanto faz.
E como então o brilho "imaterial" da luz, energia na sua forma "pura", e a massa de uma rocha tão sólida e compacta são essencialmente a mesma coisa? As magnitudes numéricas que a equação de Einstein exprimem nos dão uma pista para a resposta. Um livro com massa de, digamos, duzentos gramas, equivale a que quantidade de energia? Multiplique-a pelo quadrado da velocidade da luz. A velocidade da luz (uma constante universal como o número pi) é de aproximadamente trezentos milhões de metros por segundo. O número "três" seguido de oito "zeros". Ao quadrado nos leva a uma cifra difícil de escrever: um "nove" seguido de dezesseis "zeros"! Isso representa uma quantidade de energia maior do que qualquer explosão nuclear já realizada pelo homem. Numa única massa de apenas duzentos gramas. A matéria é, então, a energia numa forma extrema de compactação, hiper-concentrada. Tudo que vemos à nossa volta, incluindo a nós mesmos, é literalmente "energia materializada"!
Há quatrocentos anos uma equação unificou os céus e a terra: g=(GM)/r² (Gravitação Universal). Há cem, outra equação unificou a matéria e a energia: E=mc² (Relatividade Restrita). Dê um significado físico às variáveis, e tenha uma interpretação do mundo. De certa forma uma equação se assemelha a uma obra de arte, que tem na lógica e na razão matemáticas a sua matéria-prima, como a tinta é para uma pintura ou as palavras são para uma poesia.

2 comentários:

Maíla Diamante disse...

Eu estou caminhando em sentido contrário: saí da belo universal (filosofia) e estou caminhando em direção ao belo particular (fatos), tentando voltar a dar a ele a dignidade que eu sempre neguei. Mas sim, o sublime do universal perdura, só que às vezes é bom deixar de mirá-lo tão fixamente pra não ofuscar a visão do que é pequeno, etéreo, passageiro. É só não encarar as fórmulas unificadoras como balões de hélio que te levam num vôo infinito rumo à certeza: uma corrente de ar quente pode te mostrar um caminho trágico. :P

Wilson Guerra disse...

Então é isso que me encanta (mais ainda): a ciência, como vejo, vai do particular ao infinito, do átomo à galáxia. É um balão de hélio que consegue ao mesmo tempo nos levar às alturas, mas sem tirar o pé do chão. Bacana isso! :)