sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Ciência versus Religião - Uma falsa polarização

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As inúmeras discussões sobre o tema religião versus ciência estão mais que superadas, mas surpreendentemente existem ainda hoje, até com certa dose de ânimo. Na decadência da Idade Média essa polarização fazia sentido, pois naquela época o concepção de ciência era profundamente ligada a teologia católica medieval, de modo que a discussão surgiu com o Renascimento, que ressignificava a ciência no que veio a se tornar em sua acepção moderna hoje.

Dessa forma ciência e religião passaram a ser grupos separados, distintos e incomensuráveis da criatividade, o que significa que comparações entre ambas é a busca de uma sobreposição inexistente nesses dois campos da atividade humana.
A ciência é a relação dialética entre o impírico e a razão, com uma dinâmica interna cheia de contradições que jamais lhe são um empecilho, pelo contrário, são o motor de seu desenvolvimento. As concepções teóricas são confrontadas com o observacional e o experimental, que permitem surgir novas concepções teóricas, as vezes muito diferentes das anteriores, mas mais abrangentes (os chamados Paradigmas de Thomas Khun). Sua linguagem é padronizada de modo que os membros de sua comunidade possam integrar-se e testarem-se mutualmente. É uma ferramenta que traz interpretações de mundo em constantes mudanças que não são aleatórias: estão sempre na direção do menos preciso para o mais preciso. Isso é possível porque essa dinâmica interna lhe é um instrumento de auto-correção. Até a mais sólida teoria científica, independente da autoridade de seus criadores, cai por terra se não der conta do que é observado e experimentado.
A religião tem origem na revelação e se sustenta em dogmas. Estes são imutáveis por definição, portanto não corrígíveis, mas em nenhum momento pretendeu sê-los. Suas figuras de autoridade são infalíveis e estão imunes de quaisquer críticas. Sua linguagem não é objetiva, traz elementos muito particulares de outros períodos históricos, termos cifrados e até incoerências internas. Isso leva a interpretações múltiplas que tem gerado inúmeras dissidências e aumentado a diversidade de mitologias no decorrer da história, onde nenhuma é mais ou menos abrangente ou mais ou menos significativa que a outra.
Um das razões da confusão entre os campos da ciência e da religião se dão porque em um aspecto elas parecem se interseccionar: ambas tentam explicar a origem do mundo e da vida. Mas isso se dá apenas na esfera da aparência.
A religião, para explicar o mundo e a vida, lança mão de suas mitologias cosmogônicas, cheias de metáforas e alegorias, não se preocupando com a literalidade das descrições, mas sim na tentativa de dar sentido a elas a partir de seus próprios valores morais.
A ciência busca, dentro de seus autoconhecidos limites, a origem material do mundo e da vida. E então, em seguida, confronta o modelo teórico criado com o observado, a procura de falhas ou êxitos nele. Dessa forma subjetividades morais do cientista têm dificuldades de se infiltrar na teoria. A ciência, assim, pode contribuir em uma significação para a vida e para o mundo depois, e não antes de estudá-la.
Com essas radicais diferenças ressaltadas, temos condição de identificar a outra parte da confusão que se faz entre estes dois campos da criação humana: a que se dá quando a religião é impregnada de elementos sectários. Na religião sectária (ou fundamentalista) não autorreconhece-se como mitologia, atribui-se verdade absoluta a seus preceitos e escrituras sagradas, e intrepreta-se literalmente o que foi criado em linguagem metafórica. Quando uma religião se concebe assim, impõe-se à realidade da natureza e obriga o mundo a se adequar ao seu monolítico modelo descritivo. É neste momento que seus auto-entitulados líderes invadem o campo da ciência, e não o inverso como geralmente afirmam. O exemplo mais notável disso é a movimentação de grupos fanáticos cristãos - originários do sul dos Estados Unidos e hoje já presentes no Brasil - contra a Teoria da Evolução das Espécies, criando uma particular falsa polarização de ciência versus religião que apareceu sob a expressão "evolucionismo versus criacionismo". E, diga-se de passagem, a diferença entre essas noções de religião sectária (que vê seus escritos sagrados como literais e verdadeiros) e religião não-sectária (que vê seus escritos sagrados como metafóricos e alegóricos) é fundamental, ou estaremos correndo o risco real de presenciarmos uma nova Idade das Trevas em plena contemporaneidade.